Interrompi a leitura, há quase dois anos, do último livro de António Damásio intitulado “O Livro da Consciência” – ao que parece: uma obra que faz o ponto da situação do trabalho desenvolvido até agora desde o aclamado “O Erro de Decartes” de 1995 – . Parei no início da página 155. Onde começa o capítulo “Como sentimos uma emoção?”. Encontra-se à espera, desde então e no meio de outros, na mesa de cabeceira. Até agora. De vez em quando perdemos o interesse relativamente a um tema, sem percebermos muito bem porquê – embora acredite que existe quase sempre uma razão subjectiva para além do habitual “não me apetece” -, para o recuperarmos, sem “escolhermos” conscientemente a data e o momento, de repente. Devo dizer que a neurologia é das áreas que menos me entusiasma. Há sempre, nela, qualquer coisa de incompleto em termos explicativos. Muitas das interpretações que são dadas a partir de estudos acerca dos quais temos conhecimento a partir da comunicação social parecem-me, quase sempre, ingénuas. Para não dizer pretensiosas perante muito do que se escreveu anteriormente. Mas vivemos um tempo em que impera a “especialização”. O que impede, não raras vezes, um conhecimento em direcção a algo mais geral e integrado. A pressa na publicação de artigos “científicos” para se ser “citado” ou para dar visibilidade ao jornal académico na economia digital – que vive da barata publicidade que lhe oferece a quantidade – não ajuda. Como também o, cada vez mais reduzido, espaço disponível nos jornais generalistas: tudo tem que ser “objectivamente” explicado. Mas António Damásio, como todos os neurólogos sérios, sabe o que anda a fazer. Não se fecha: tenta uma ponte com o pensamento de Sigmund Freud – e com aqueles que o seguiram ou desenvolveram – através da neuro- psicanálise. O inventor da prática psicanalítica foi, a seu tempo, também médico neurologista. Mas considerou, na altura, que a área estava longe de trazer resultados satisfatórios em termos de entendimento do ser humano. Há quem diga que, apesar do progresso, o mesmo se continua a passar hoje em dia. Há características, menos quantificáveis, que a tecnologia, sozinha, continua a não conseguir apreender. Quando “defendo” a psicanálise não o faço em nome da “terapia”. Mas sim como corpo teórico. Como “teoria geral da acção humana”: expressão normalmente utilizada pelo antropólogo português José Gabriel Pereira Bastos no programa, da portuense Rádio Manobras, “Conversas Freudianas”. Falando, portanto, em emoções: há qualquer coisa nestes autores que parece ultrapassar tudo o que normalmente é explicado noutras disciplinas. Não apenas ao nível da complexidade. É qualquer coisa que nos transporta quase a um último sentido. O resto, embora vasto e interessante, parece ficar à tangente e tocar, apenas, a superfície. E acaba, não raras vezes, por desapontar. Para utilizar uma analogia nada sofisticada: é mais ou menos como uma “raspadinha” que fica por esfregar. Com esta atitude, contudo, perde-se quase “tudo”: ganha-se “racionalidade”. Uma “explicação” resumida. Mas perde-se “poesia” e unicidade: a tempestade que falta e que talvez só consigamos encontrar nos escritos de um filósofo como o alemão Friedrich Nietzsche. Sobre o qual Sigmund Freud afirmou um dia, aliás, ter “mais conhecimento penetrante acerca de si próprio que qualquer outro homem que tenha até hoje existido ou que venha a existir”. Convém, por isso e periodicamente, abandonarmos as “especializações” e a “objectividade”. O “racionalismo” pós- moderno, não raras vezes, tem qualquer coisa de paradoxalmente “irracional”. Pouco intuitivo. Aparenta ser, de certa forma, um “sistema defensivo” contra a realidade última das coisas. Que nos impede de ver um pouco mais longe. Para conhecermos o corpo, o que está por trás da “pele” e da consciência; para encontrarmos consistência: precisamos, por vezes, de ser subjectivos. Pegarmos num candelabro e, acompanhados por uma banda sonora de um dos primeiros filmes russos que foram realizados, a preto e branco, prepararmos uma descida aos infernos: fazer uma viagem ao centro da Terra, ainda em chamas, para apanharmos todas as plantas carnívoras. Isto é, para utilizar uma expressão de António Damásio, “consciência de si”.
Tag Archives: o livro da consciência
Viagem ao Centro da Terra: Neuro- Psicanálise e “Integração”
Deixe um comentário | tags: afonso duarte pimenta, antónio damásio, consciência humana, consciencia de si, conversas freudianas, economia digital, filosofia, Friedrich Nietzsche, guerras do seculo xxi, jornais académicos, jornais generalistas, jornalismo cientifico, josé gabriel pereira bastos, neuro- psicanálise, neurologia, o livro da consciência, psicanálise, psicologia, racionalismo, rádio manobras, sigmund freud, tecnologia, terapia, viagem ao centro da terra | posted in ciência, consciência, crónica, jornalismo cientifico, neuro- psicanálise, neurologia, psicanálise, psicologia
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