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Planeta Terra: Planeta Placebo

Num mundo que se pretende “informativo” – mas, acima de tudo, publicitário -: necessitamos, por vezes, de fazer uma pausa. Oferecendo uma prenda a nós próprios através de algum descanso. Evitar a “conectividade”, massificadora, que nos é, agora, tão “exigida”. E, quando se escreve – como consequência -, uma das maiores pragas, jornalísticas e literárias, actuais: a “legibilidade” textual. Esta espécie de empobrecimento contemporâneo que tanto nos é pedido em prol do consumo e do ecrã perpétuo. De uma enlouquecida formatação e rapidez comunicacional que não nos levará, em termos de um maior conhecimento, a lado nenhum. É o “mercado” da quantidade. E, também, a inconsciência do momento. Como outras: mais uma “religião”. Um novo placebo. Voltemos, então, a questões “ingénuas”:

Isto por me ter lembrado de, quando era criança, olhar para o arco- íris e sentir-me insatisfeito. Parecia-me insuficiente. Como se lhe faltasse alguma coisa. Veio-me à memória há alguns dias atrás. Quando passeava, debaixo de chuva miúdinha, por uma ruela apertada deste vácuo convento, também pouco espaçoso, ao qual tenho de regressar de vez em quando: a cidade de Braga. E depois de ter visto, projectados na parede do lado direito, três pequenos círculos com as cores azul, verde e vermelha que vinham, atravessando o escuro, de uma montra de uma loja de roupa feminina. Que tinha pendurados os projectores luminosos. Para além de um cão de louça com as costas voltadas, acastanhado e amarelo torrado, que se encontrava sentado em cima de um pequeno televisor negro. Com um aspecto ainda mais abandonado: pela moda e pelo tempo. Devido à multiplicidade de ecrãs que entretanto surgiu. E que, segundo nos pregam – ha, ha ! -, nos arrancou da “passividade”. Negro era também o galo de Barcelos que, com pouco sentido, para lá estava indisposto ao lado de um outro cor de rosa. “Negro? Cor de rosa?. Talvez queiram regressar a Barcelos”. Tive, nesse exacto momento, uma sensação aproximada: “Só estas cores? Parece faltar alguma coisa”.

A pergunta que costumava fazer, no pátio do colégio de freiras – quase sempre vestidas de cinzento – onde estudava, era a seguinte: existiria mais alguma côr, contando com todas as experiências e misturas possíveis, para lá do alcance do olho humano? Haveria, numa qualquer outra dimensão, um tom que não consiguiriamos aqui, na Terra, vislumbrar? Penso ter lido algo, anos mais tarde, acerca deste assunto. Agora não me lembro. Pouco importa, de qualquer forma. Sobre extra- dimensões: olhando para o meu corpo, imaginando-o ao microscópio, costumava delirar sobre universos paralelos. Imaginando que tudo, como o átomo que nos tece a pele, poderia ser circular: extrapolava para uma existência eterna e global incontáveis, ou infinitas, dimensões que se encaixariam, perfeitamente, umas nas outras. A nossa, em conjunto com outras diferentes ou semelhantes, estaria dentro de uma maior. E esta, lado a lado com outras, estaria dentro de uma ainda maior. Isto: sucessivamente e sem fim. O Big Bang, para mim, não passaria de um começo ao contrário. Ou de uma fuga que vinha de um outro lado qualquer.

Voltando agora, dentro do possível, a colocar os pés no chão: a questão das cores que mencionei anteriormente fez-me lembrar, imediatamente, uma pessoa que teve a ideia de montar um negócio, em Inglaterra, ligado à àrea da “cromoterapia”. Uma prática que, ao que parece, faz uso das cores para a cura de diversas doenças físicas e emocionais. Com vista a um equilíbrio bio- energético. Desenvolveu-se, principalmente, a partir das antigas civilizações do Egipto, da India ou da Grécia. E Johann Wolfgang Von Goethe, cientista alemão do século XVIII, ajudou. Estudando as cores durante cerca de 40 anos. Concluindo, por exemplo, que o verde tem propriedades repousantes, que o azul acalma ou que o vermelho estimula o organismo. A cromoterapia, desacreditada pela comunidade científica, é, de qualquer modo, reconhecida como terapia alternativa ou complementar pela OMS desde o ano de 1976. Foi introduzida no ocidente apenas no século XIX.

Cada um acredita naquilo que quiser. E não duvido que, acreditando, funcione, como tudo, ainda melhor. Devo dizer que quanto mais leio e mais sei sobre diversos assuntos mais o nosso planeta me parece um gigantesco armazém de placebos. Cada um com os seus, ingénuos ou cínicos, zelosos guardiões. De uma última “sabedoria”. Ou de um novo “conhecimento”. Uns mais verdadeiros que outros. Mas todos eles com uma parte de “banha da cobra”. Ganho, por isso e actualmente, alguma simpatia por “alternativas” que não conhecia e que vou “descobrindo” no meu cantinho de ignorância. Como esta. É que eu, pelo menos, não vivo na “sociedade do conhecimento”. Afinal, não raras vezes, qual será a diferença?

O mundo ocidental, naquilo que tem de pós- moderno – este pessimismo -, está velho, gasto e cheio de si mesmo. Cansado: é uma “civilização” pretensiosa que vive, no fundo, dos restos, muitas vezes estragados, da filosofia que ousou, no passado, idealizar. E que tenta, a todo custo, deitar fora e esquecer, ainda por cima, algumas das suas melhores partes. Coitada: resta-lhe, agora e à falta de melhor, a Big Data, o excesso de gadgets e a espionagem, em massa, que ajudaram a criar. Promessas que, em meia dúzia de anos, se tornaram num outro placebo.

Mas, pelo menos, finalmente atingimos a “igualdade”. No mundo de hoje: ela surge-nos, exactamente, em forma de “pastilha” publicitária. Num planeta que, agora, tudo molda em forma de marketing, vendas e “informação”: todos os aprendizes e todos os “feiticeiros” têm o seu “jornal”, a sua start- up, o seu “canal de comunicação”. Nenhuma instituição parece escapar. A política, além de constituir, ao mesmo tempo – feito inédito ! -, laxante e soporífero, metamorfoseou-se em comprimido ineficaz. As recentes ideias de “transição” – que parecem, até agora, não trazer propostas congruentes nem qualquer “manual” com mais de 20 páginas  – são, também elas, placebo. A medicina, por seu lado, gosta de anunciar. Mas, de início, experimenta, essencialmente, com “ratos”. Daqui ao ser humano vai, muitas vezes, um passo “inumano”. Saltamos, assim, de “especialista” em “especialista”. Abundam os artigos académicos – essa “certificação” que já quase nada vale – comprados, falseados ou sem revisão de pares. Cada um com a sua divagação, divergência, misticismo ou interpretação. A psiquiatria, embora mais do que necessária, aumenta, consecutivamente, a lista de nomes de maleitas. E, com ela, o número de zombies mais ou menos amestrados. A psicanálise, com a responsabilidade que lhe conferem os seus mais de 100 anos, dá-nos, talvez, as explicações mais satisfatórias acerca do comportamento humano que podemos encontrar. Nisto: nada a parece ultrapassar. Mas em termos de eficácia terapêutica: o sofá e o divã, núcleos principais de experimentação, ainda vão, em inúmeros casos, lá atrás: em modo “labirinto interpretativo”.

São, apenas, alguns exemplos. Mas, neste momento, não sabemos bem em quê e em quem acreditar. A não ser no império da sedução: as palavras políticas, médicas, jornalísticas e institucionais configuram, actualmente, o nosso planeta- placebo. Mas: “finalmente” atingimos a “igualdade”. A “igualdade” no branco da esterilidade.

Que se esconde, afinal, por trás de todo este nevoeiro, denso, que se avizinha? É que as promessas ficaram lá atrás. Precisamos, por isto, de encontrar novas cores. Não numa outra dimensão. Mas a partir de agora: o ponto onde o futuro recomeça. E, já agora, de um barco consistente. É que podemos, ainda, não conseguir ver nada. Mas é mais do que certo: vem aí mar alto !