Publicações e debates, sobre a “sociedade da informação”, “atrasaram-se” em investigação. Apesar da melhoria no último ano, devido ao caso Snowden , a “discussão” foi conduzida como uma “veneração”. Imperava o “guru da comunicação”: o “optimismo” sobre um paradigma “paradisíaco” que a tecnologia, por si, alcançaria. Parecia, por vezes, uma “seita” em construção. O “panfleto” era quase sempre o mesmo: “o mercado dos gadgets conduz- nos a uma democratização da mensagem”. Mantra que foi emulado, nas redes sociais, por um usuário mais absorvido por questões económicas nacionais. Compreende-se. Mas inúmeros factores, ignorados pelo cidadão na veloz troca de informação, estão a remodelar o estilo de vida com uma rapidez difícil de descortinar pelos média, pela filosofia ou pela sociologia contemporânea. Existem exemplos. Como os livros de Nicholas Carr ou de Evgeny Morozov. Mas é pouco. Nada disto é novo: o século XIX, com a revolução industrial, assistiu a crença similar. Que se desvaneceu quando se viram as consequências que a tecnologia também trouxe: poluição, duas guerras mundiais ou as bombas de Hiroshima e Nagasaki. O determinismo científico esquece, facilmente, que o homem não é só Sapiens: é Demens. A “democracia digital”, possibilitadora da difusão da mensagem por parte dos cidadãos, é real. Mas a questão não pode ser colocada, apenas, desta forma. Se se pretende, apenas, a inclusão: pouco é questionado subjectivamente. Porque, contra a narrativa do mercado tecnológico, opiniões divergentes são olhadas de soslaio. E “se pouco é questionado” relativamente ao paradigma comunicacional: não estamos numa democracia social. Mas num igualitarismo de tipo novo: transnacional. Questões que podem ser colocadas não são novas. Foram “esquecidas” neste século. Mas debatidas em obras de filosofia no século XX. O Estaleiro Cultural Velha- a- Branca, de Braga, com um debate conduzido por Inês Viseu, Hugo Moura e Daniel Camacho no passado dia dois de Maio, evitou o que referi anteriormente. Abordou a história da fotografia para questionar a banalização da cultura da imagem no discurso colectivo e a tendência do momento: o selfie. “Pormenor” que se transcende ao atravessar o espectro informativo: o rápido post “noticioso”, o vídeo de “cinco minutos” para que tenha “mais visualizações” ou a “adolescência” de muito do “jornalismo- cidadão”. Interessa a rápida exposição: o “eu” é a mensagem. O que arrasta consequências ao nível do pensamento contemporâneo. “Se toda a mensagem vale o mesmo”: que caminho seguir num cenário de crise económica e social? Precisamos de interpretação. Nada disto traria problemas se não ofuscasse a especialização e a qualidade que a costuma acompanhar. O que passa a “interessar” não é, exactamente, a “cultura”. Mas a inclusão de “toda a gente” no discurso cultural. Mas talvez seja cedo. Existem épocas de retracção. Nada é certo. Nada é eterno. Precisamos, por vezes, de parar: assistir sem “fotografar”. Pensar. “Fotografar” a seguir.
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Viagem ao Centro da Terra: Neuro- Psicanálise e “Integração”
Interrompi a leitura, há quase dois anos, do último livro de António Damásio intitulado “O Livro da Consciência” – ao que parece: uma obra que faz o ponto da situação do trabalho desenvolvido até agora desde o aclamado “O Erro de Decartes” de 1995 – . Parei no início da página 155. Onde começa o capítulo “Como sentimos uma emoção?”. Encontra-se à espera, desde então e no meio de outros, na mesa de cabeceira. Até agora. De vez em quando perdemos o interesse relativamente a um tema, sem percebermos muito bem porquê – embora acredite que existe quase sempre uma razão subjectiva para além do habitual “não me apetece” -, para o recuperarmos, sem “escolhermos” conscientemente a data e o momento, de repente. Devo dizer que a neurologia é das áreas que menos me entusiasma. Há sempre, nela, qualquer coisa de incompleto em termos explicativos. Muitas das interpretações que são dadas a partir de estudos acerca dos quais temos conhecimento a partir da comunicação social parecem-me, quase sempre, ingénuas. Para não dizer pretensiosas perante muito do que se escreveu anteriormente. Mas vivemos um tempo em que impera a “especialização”. O que impede, não raras vezes, um conhecimento em direcção a algo mais geral e integrado. A pressa na publicação de artigos “científicos” para se ser “citado” ou para dar visibilidade ao jornal académico na economia digital – que vive da barata publicidade que lhe oferece a quantidade – não ajuda. Como também o, cada vez mais reduzido, espaço disponível nos jornais generalistas: tudo tem que ser “objectivamente” explicado. Mas António Damásio, como todos os neurólogos sérios, sabe o que anda a fazer. Não se fecha: tenta uma ponte com o pensamento de Sigmund Freud – e com aqueles que o seguiram ou desenvolveram – através da neuro- psicanálise. O inventor da prática psicanalítica foi, a seu tempo, também médico neurologista. Mas considerou, na altura, que a área estava longe de trazer resultados satisfatórios em termos de entendimento do ser humano. Há quem diga que, apesar do progresso, o mesmo se continua a passar hoje em dia. Há características, menos quantificáveis, que a tecnologia, sozinha, continua a não conseguir apreender. Quando “defendo” a psicanálise não o faço em nome da “terapia”. Mas sim como corpo teórico. Como “teoria geral da acção humana”: expressão normalmente utilizada pelo antropólogo português José Gabriel Pereira Bastos no programa, da portuense Rádio Manobras, “Conversas Freudianas”. Falando, portanto, em emoções: há qualquer coisa nestes autores que parece ultrapassar tudo o que normalmente é explicado noutras disciplinas. Não apenas ao nível da complexidade. É qualquer coisa que nos transporta quase a um último sentido. O resto, embora vasto e interessante, parece ficar à tangente e tocar, apenas, a superfície. E acaba, não raras vezes, por desapontar. Para utilizar uma analogia nada sofisticada: é mais ou menos como uma “raspadinha” que fica por esfregar. Com esta atitude, contudo, perde-se quase “tudo”: ganha-se “racionalidade”. Uma “explicação” resumida. Mas perde-se “poesia” e unicidade: a tempestade que falta e que talvez só consigamos encontrar nos escritos de um filósofo como o alemão Friedrich Nietzsche. Sobre o qual Sigmund Freud afirmou um dia, aliás, ter “mais conhecimento penetrante acerca de si próprio que qualquer outro homem que tenha até hoje existido ou que venha a existir”. Convém, por isso e periodicamente, abandonarmos as “especializações” e a “objectividade”. O “racionalismo” pós- moderno, não raras vezes, tem qualquer coisa de paradoxalmente “irracional”. Pouco intuitivo. Aparenta ser, de certa forma, um “sistema defensivo” contra a realidade última das coisas. Que nos impede de ver um pouco mais longe. Para conhecermos o corpo, o que está por trás da “pele” e da consciência; para encontrarmos consistência: precisamos, por vezes, de ser subjectivos. Pegarmos num candelabro e, acompanhados por uma banda sonora de um dos primeiros filmes russos que foram realizados, a preto e branco, prepararmos uma descida aos infernos: fazer uma viagem ao centro da Terra, ainda em chamas, para apanharmos todas as plantas carnívoras. Isto é, para utilizar uma expressão de António Damásio, “consciência de si”.