Um dia, num dos cafés, da cidade de Braga, onde me costumava sentar para ler os jornais e fumar um ou dois cigarros cravados, reparei em duas mesas acastanhadas que se encontravam encostadas. Estavam, como outras dispostas pelo resto da esplanada, completamente encharcadas. Contudo, talvez devido à posição em que me encontrava, fixei-me naquelas. Já não chovia. Mas várias pingas de água escorriam, de forma sincopada, dos dois tampos para o chão em estrado de madeira. Como, também, pelas pernas das quatro cadeiras que as rodeavam. Imaginei, apesar de tudo, uma família que poderia ali estar a conversar. Projectava, com certeza, emoções próprias. Tentando preencher vazios interiores. Ou, embora ofuscado, qualquer coisa de cheio. Senti que, tanto os acentos como os tampos, suspiravam, aflitos, pela falta de corpos. De braços e de cotovelos pousados. Intimidade. Não é raro fixar-me em objectos isolados e rouba-los da multidão. Pormenorizo, criando ficções, como se entrasse para dentro do olho de um furacão. Ignoro o resto. Contamino-os com “poesia”. Paro o tempo. Atribuo-lhes vida própria. Num outro dia reparei num conjunto de folhas outonais – deviam ser umas sete – que se arrastavam pela berma de uma estrada. Pararam, em determinado momento, todas ao mesmo tempo formando um pequeno desenho abstracto. Como se as tivesse fotografado. Olharmos, sem pensar, para eventos isolados pode fazer com que consigamos, de volta, alguma da magia e do mistério que, entretanto, se perderam: num planeta em que a “informação”, ou falta dela devido ao excesso, parece ter de ser, agora, obrigatoriamente veloz; em que a doença da “digitalização total” acelerou o tempo e, por isso, o prazer da descoberta no demorado se eclipsou. Escrevo sobre movimentos como se fossem independentes. Sem qualquer género de preocupação. Mais importante do que isso: que desconhecem o significado de uma moral. Que é, agora e cada vez mais, assustadoramente colectiva. Sabem, no fundo, dançar. E sabe bem, nem que seja por segundos, suspendermos o ruído supostamente “científico” que se tem tornado omnipresente. E, por este motivo, inconsistente. Assemelha-se, mais ou menos, a um passeio pelos trilhos e pelos montes da Serra do Gerês. Que, para mim, passam por montanhas. Os olhos, atribulados pelos estímulos da cidade como pelas quase inúteis postagens das redes sociais podem, desta forma, descansar. O Gerês é-nos alheio. Ri-se de nós: a cada “partilha” de ignorância.
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Movimentos Independentes ( Como na Serra do Gerês)
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